Tenso. Intenso. Extenso.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O Peso

A fumaça do cigarro nunca pesou tanto nos seus pulmões. Era a culpa entrando a cada tragada e permanecendo no seu organismo mesmo quando ele jogava pra fora toda a poeira em suspensão. Inspira, expira, inspira, expira...Por mais que expirasse com força, a culpa continuava lá, alojada na caixa dos peitos, dançando dentro dele com saltos agulha, dançava um tango, obviamente, e dançava com toda a tristeza e precisão que o tango exige. Como toda mulher, a culpa era traiçoeira, vingativa, e insistia em deixar uma marca dolorida dentro dele. Inspira, expira, inspira, expira...Levantou-se para abrir de vez as cortinas que permitiam a entrada da luz por frestas. Escancarou-nas e agora a luz invadia por inteiro o seu apartamento. O excesso de luminosidade e ar fresco causaram-lhe certa vertigem. Apoiou-se no parapeito, baixou a cabeça, respirou, respirou, respirou.
O seu peito ainda estava carregado da fumaça suja do cigarro, mesmo com todo esse ar fresco circulando pela casa agora. Sentou no sofá, fechou os olhos e tentou sentir a luz morna da manhã esquentando o seu corpo. Isso sempre lhe trouxera conforto, mas hoje, rá, hoje, não. Hoje a culpa era a dona da vez e dançava, dançava, dilacerava o peito dele. Nunca uma tragada houvera pesado tanto. Só restava a ele respirar cada vez mais fundo. Fundo, fundo, profundo...

O Fardo

Dói. As idas e vindas sempre doem. Me fazem arder e dilaceram as minhas visceras. Ele não tinha a menor piedade dela. Fazia o que bem queria, lambuzava-se a noite inteira, embriagava-se no seu amor para, de repente, ir embora depois sem deixar vestígios. A ausência de vestígios enlouqueciam-na porque na sua cabeça era tudo muito vivo, mas a realidade era vazia dele. É humilhante pensar tanto em alguém que não existe, que não se deixa existir. A sua pele está marcada por toda parte, esse sim é o maior vestígio, mas, quem enxerga? Ninguém. Ela anda pelas ruas de sua cidade com um ar de procura com o qual todos já se acostumaram, não percebem mais a sua dor. Ela mesma quase se acostumou com a carne se rasgando quando a brisa traz passageira um perfume, uma sugestão do perfume, uma lembrança louca dele. Mas, o cheiro passa no momento em que ela relembra o imemorável. É de pirraça que o vento faz isso, brinca com ela como o seu amado e isso reaviva o seu pensamento ainda mais. Dói. Dói. Dói. A dor é a única certeza da sua existência. Uma coisa assim, tão forte, tão dilacerante não podia vir só da sua cabeça. Ninguém teria essa tendência masoquista tão acentuada...ou teria?...Depois de meses, anos, ela não sabe ao certo, ele volta como se tivesse partido ontem. Um beijo basta para acorrentá-la. O vento agora bate nos seus cabelos, bagunça um pouco e para. Um presságio! Dessa vez ele fica, dessa vez ele me ama, dessa vez ele me quer. Ele me quer! Ela se deixa abraçar e dança conforme o ritmo dele. Com ele uma coisa sempre leva a outra, um beijo sempre leva a um abraço e um abraço sempre leva ao desejo. Eles ardem. Ele de saudade, ela de raiva. Raiva. Ódio!Pela primeira vez ela o odeia, e o consome como tal. Arranha todos os pedaços de pele que pode, tenta marcá-lo como o seu toque a marca. Tenta odiá-lo com a mesma intensidade que ele se faz presente mesmo na ausência. Tenta rasgá-lo como ele a destrói. Ele a segura e agora a única forma de evadir o seu ódio é no grito que se faz ouvir na madrugada. Um gozo, uma morte, qualquer que seja possuem a mesma profundidade; carregam a mesma mágoa, desnorteiam da mesma maneira.

A Descoberta

Há um abismo entre nós. Quanto mais próximos, mais a distância grita. O amor...até que ponto isso é? Ela ruminara tais pensamentos a manhã inteira e adentrou as horas seguintes nesse ciclo mental. Interagia, mas, assim que se calava, voltava a se consumir nessa possibilidade estúpida de voltar para ele. Humilhar-se, chorar, descabelar-se, o que fosse preciso, mas havia o abismo... Começara a escrever para tentar expulsar essas ideias de sua cabeça, mas, quanto mais escrevia, menos sentido fazia e mais dolorido ficava. Com o dia terminando, a rua pareceu-lhe convidativa. Colocou um tênis e correu. A estrada é fácil, branda, você só precisa caminhar, mover-se e ela o acolhe como um velho conhecido. Vagou por muito tempo dentro de si, mas, quem a visse correndo, conseguia sentir a sua determinação de chegar para onde quer que ela estivesse indo. Essa certeza exalava dela e provinha de sua vontade de se esquecer, de exorcizar a sua mente. Parou ofegante apoiando-se nos joelhos com as mãos. Mais calma, percorreu o caminho da volta a passos largos; era inútil fugir assim. Chegou em casa, tomou banho e caiu na cama. Quando abriu os olhos pela manhã, já sabia o que deveria fazer. Aprendera a não fugir.

O Engano

Uma luz fina atravessa as cortinas pesadas e batem na cama delineando o rosto bonito. Tão frágil, tão branco, tão linda! Parece mais um anjo que magnetiza todo o ambiente ao seu redor e o envolve num campo gravitacional. Ele estava dentro, observando de longe. Ele se aproxima da cama e consegue ouvir a respiração fraca dela; a luz denuncia um pano embebido de qualquer coisa entorpecente nas mãos dele; até que ponto eu cheguei por ela...e fica cada vez mais perto, mas, de repente, ele trai a si mesmo porque ela acorda e finge dormência. Ele hesita um pouco, recua dez centímetros. Os vultos do passado ecoam na sua cabeça, até que ponto eu cheguei, mas, num flash, sua cabeça escurece e seu corpo cai pesado no chão. O negro permanece em seus pensamentos por muito tempo e quando acorda, surpresa(!), está num beco pouco iluminado e úmido. Confuso, tenta se levantar, a cabeça explode de dor e a lembrança da pancada lhe vem. Encontra um bilhete no seu bolso que tem um a zero para mim escrito com a letra do seu anjo. No seu momento de recuo, ela o desmaiou estourando um copo de vidro na sua cabeça. Frágil, rá! Levantando com um meio sorriso na boca de deleite. Ela fora sub-estimada. E num transe de prazer ele percorre as ruas, perto do amanhecer, rindo consigo mesmo.

Desencontro

As luzes dissolviam a escuridão noturna. A música envolvia as pessoas que se encontravam nas ruas e nos bares do Recife Antigo. Um bêbado grita palavras ao vento e senta no meio fio, alguns o olham, outros riem, diversos se confundem à medida que o álcool corre o sangue. Um homem de barba levanta trôpego e sai do bar, o garçom desiste de cobrar, amanhã ele volta...Uma moça suspira a perda de um amor, outra gargalha enquanto ele a observa com lascívia. Essa está tão fácil...quando, de relance, vê um cabelo comprido emoldurando as curvas que ardiam na sua cabeça. Noites de alucinação para nunca mais; até agora. Escorregou no olhar dela; fitou-a. Eram duas almas feridas revivendo uma vida em segundos-um instante eterno. Ele desconversou, deu uma desculpa qualquer e saiu percorrendo as ruas vivas atrás dela. Tarde demais. Ao chegar no lugar em que julgou vê-la, só havia um rastro de perfume e a lembrança.

O Relógio

Acordando numa manhã de segunda, ela se depara com a uma preguiça dominadora. Beira o delírio na incerteza do sonho e realidade. Algumas imagens vêm à sua cabeça e não consegue identificar se aconteceram ou não, mas são cenas fortes que a perturbam e mudam por completo a sua percepção. Ele me disse isso mesmo? Acho que não, mas eu ouvi da boca dele! Olha pro relógio e acorda num sobressalto: oito horas!!! Corre atrasada para o banho sem ao menos sentir a água escorrendo e refrescando o seu corpo suado. Estava dormindo, mas o mormaço era grande naquela época do ano. A cabeça doía depois de uma noite mal dormida. Enxugou-se depressa e, com o cabelo ainda molhado, vestiu a primeira coisa que viu pela frente. Nem teve tempo de se olhar no espelho para admirar a luz no seu corpo; como a nudez é bonita, mas nem tanto...Saiu de casa sem trancar a porta e pegou um taxi; precisava chegar à tempo-nove horas- e o relógio apontava oito e meia. Estava atribulada e preocupada com o seu compromisso, mas aquelas cenas ficariam no seu inconsciente o dia inteiro e quando o visse explodiriam como um derrame em sua cabeça. Era só uma questão de tempo para cair em si.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A Casa

Era uma casa muito engraçada, mas tinha teto; não tinha portas. Os ventos corriam livres. A luz invadia refletindo-se nas paredes brancas e altas; ladrilhos no chão, móveis ausentes: tudo isso fazia da casa um local ímpar no universo. Podia ser habitada, mas não se deixava ocupar. Queria ser sempre assim. Uma construção vazia, mas preenchida de movimentos ondulantes. O vento bailava pelo ar em suspensão e a casa se envaidecia por isso.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O Mergulho

Da janela dava para ver o céu se abrindo no clarão matinal e fundindo-se com o mar. Era de uma imensidão perturbadora. Ela olhava e mergulhava mais nos seus pensamentos. O lençol ficava frouxo entre suas mãos deixando mais partes de sua pele aparecer... De carne e osso, é disso que sou feita e tentava não julgar o que houvera há pouco.
-Você fica linda nessa luz.
Ela saiu do seu casulo e sorriu para ele de onde estava. Fitou-o. Sabia que vivia um daqueles momentos que não voltam ou que dificilmente se repetem. Parou de pensar e foi até ele. Sentou ao seu lado e fechou os olhos para tocá-lo numa tentativa de intensificar o prazer que corria pelo seu corpo ao tateá-lo. Sentir. Eu não sinto há tanto tempo e como é fácil para ele me reanimar só me olhando. A vida parecia entrar nela pelos ouvidos quando deitava em seu peito e escutava o seu coração bater.E foi isso que ela fez e divagou imaginando o sangue fluindo entre as veias, tecidos, órgãos...Existir é tão frágil... abriu os olhos para mergulhar nos dele. Poderia ficar anos só olhando e deixando-se olhar. Para quê ficar na defensiva se não faz mais sentido hesitar. Ele a tinha de corpo e alma e ela a ele. Mas será mesmo? Que importa...e mergulharam juntos no agora.