Tenso. Intenso. Extenso.

domingo, 9 de setembro de 2012

A rede


Marcela estava deitada na rede de sua varanda e se balançando com uma perna, enquanto pensava no quanto tinha vivido desde que se esbarrou com Lucas numa barraquinha de cachorro quente. Estavam juntos há um pouco mais de um ano, mas, que importa o tempo, quando se acha com quem dividi-lo? Nunca achou que fosse conseguir se apaixonar assim. Sempre quis, é bem verdade, mas sua vida amorosa sempre foi um desastre atrás do outro. Alguns frios na barriga antes da festinha do colégio, uns olhares mais fortes trocados, o suor frio pelo corpo e pelas mãos, o coração pulando, já havia sentido tudo isso. Mas, quando viu Lucas, não percebeu nenhum desses sinais em si. Ficou na expectativa depois dos primeiros encontros, porém, foi tudo muito natural. Ela não precisava planejar cada parte do encontro, as coisas rolavam, que nem esse balançar da rede... Olhou para o céu e se sentiu grata. Se houver alguém ai, obrigada pelo presente, pensou para si mesma. Lucas irradiava paz em sua vida, um verdadeiro divisor de águas. Quando se está apaixonado, é normal colocar o outro no pedestal, mas não é isso. Ele realmente é uma pessoa maravilhosa, pensou, e quando ele me abraça o mundo não existe. Esse é o clichê mais verdadeiro que há. Continuou se balançando e se refrescando com a brisa. Caiu no sono e pode dormir tranquila por uns minutos. Era como se uma parte dele estivesse ali, balançando a rede para ela. Chegou a sonhar com algo alegre que não soube explicar, mas sonhou. Abriu os olhos e encarou novamente o céu mais escuro, agora.  Continuou deitada e se esquentando com os pensamentos de antes. 

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A camisa


Lucas trabalhava que nem um escravo. Todo dia acordava cedo, engolia o café após um banho de 3 minutos e corria para o seu emprego. Chegava à sua mesa 7h em ponto e se via encurralado pela divisória de 1,60 à sua frente. Ia à copa e pegava uma xícara de café, retornava ao seu cubículo e digitava sem parar até terminar boa parte dos relatórios pendentes. A pilha de documentos antigos para serem digitalizados era infindável. Quando ele achava que diminuía, Jéssica repunha a pilha. Lucas não tinha tempo sequer para perceber os olhares de Jéssica ao ir à sua mesa. Desde o primeiro dia, ela se sentia atraída por ele. Começou a se vestir melhor, maquiava-se e até pintou o cabelo e nada dele perceber. Apenas sorrisos cotidianos eram trocados.
Um dia, Lucas chegou ao trabalho e encontrou Jéssica. Cumprimentou-a, mas estava surpreso com a companhia. Os outros funcionários só chegavam perto das 8h. Foi à copa e pegou sua xícara. Enquanto colocava o café, percebeu que ela estava atrás dele. Por um momento, pensou que fosse só imaginação, mas, quando se virou, ela o encurralou com os dois braços. Ele deu um pulo e derrubou café na camisa branca. Ela também pulou para trás e pediu desculpas. A cabeça dele girou um pouco, numa espécie de vertigem e confusão, começou a esboçar uma reação quando ela já estava tentando desabotoar a camisa. Ele a afastou delicadamente, disse que não havia problemas e voltou para a sua mesinha para buscar sua bolsa. Saiu do trabalho e voltou para casa. Logo hoje, no dia da reunião! Ainda bem que é só às 10h. Trocou-se rapidamente e jogou sua camisa manchada numa sacola. Passou numa lavanderia perto de sua casa e foi quando a viu.
Foi cena de filme. Ele pegou a nota fiscal e vislumbrou-a através da vitrine. Ela estava na carrocinha de cachorro quente. Ele chegou perto dela, não soube bem por que, mas precisava fazer isso. Não é muito cedo para um “dogão”? Ela se virou um pouco irritada e respondeu: como é? Pela primeira vez há tempos, Lucas riu de verdade. Marcela ficou sem entender e riu também, um pouco sem graça. Engataram uma conversa constrangida e ele descobriu que ela trabalhava na empresa ao lado da sua. Foram andando juntos. 
Trocaram algumas informações sem muito interesse, mas para quem tem interesse, tudo importa. Marcela era uma dessas mulheres que falam pelos cotovelos. Não de um modo irritante, mas de uma fluidez com as letras que encantou Lucas. Ele resolveu pegar o celular dela para se encontrarem depois. Separaram-se e trocaram sorrisos frouxos.
Lucas chegou à sua mesinha às 9h. Ligou o computador e viu uma mensagem de Jéssica, pedindo desculpas pelo constrangimento. Ele respondeu educadamente, já sem lembrar direito da irritação de outrora. Organizou alguns artigos e foi à reunião. De repente, ao se sentar à mesa da sala maior, avistou a cidade pela janela. Respirou profundo e sentiu-se melhor.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A queda


Marcela não aguentava mais se olhar no espelho. As luzes simplesmente não se refletiam direito. O espelho não projetava o que ela queria ver. Todos os espelhos estavam cobertos por lençóis. Tirá-los da parede seria mais eficaz, mas, por algum motivo, isso não cabia no momento. Maquiava-se por instinto. Se estivéssemos em fevereiro, não seria assim, mas esse maio a fez menos vaidosa. Saiu de casa sem ao menos abrir um pouco as janelas para o sol entrar. Tinha que ir ao mercado, não sabia exatamente por que, mas a dispensa estava vazia, não havia telefones em casa, então, resolveu ir atrás de comida pessoalmente. Marcela não estava acostumada a ir atrás das coisas que queria, mas há uma primeira vez para tudo. Mesmo se negligenciando, era ainda de uma beleza daquelas calmas, que só a juventude pode conceber. De repente, passa alguém com um rosto familiar. Coração pula. Não é ele, Marcela, diz para si mesma. Não é mais uma possibilidade, ele morreu. E isso não é uma metáfora. O Lucas se foi e você está aqui. Alguém esbarrou nela e a fez despertar. As pessoas estão sempre correndo nessa cidade.  Entrou no mercado, pegou algumas coisas na prateleira de frios, abasteceu o carrinho de bebidas, achou o lugar dos enlatados e foi para o caixa. Viu os cigarros no anúncio e pensou, por que não? Foi para a casa e abriu um pouco a janela da cozinha. Não guardou os alimentos, só pensava no cigarro. Nunca havia fumado, mas parecia certo nesse momento de dor. Acendeu um e tragou dele. Tossiu até lacrimejar e apagou o cigarro. Quem sabe outro dia eu tento e foi para a sala. Ligou a TV, mas só funcionava um canal chato de vendas. Desligou a TV e ficou desnorteada no sofá. Lembrou-se do seu noivado, das festas, de como eram felizes. A felicidade parecia real. Era real. Não sentiu quando as lágrimas tocaram o pescoço. Ainda guardava o pedaço de bolo de casamento no freezer. Tinham planejado comer a fatia no primeiro aniversário, ao invés disso, estava ela sem saber o que fazer e com um maço de cigarros à sua espera. Era uma tentativa desesperada, talvez. Ou talvez não. Lucas odiava que fumassem perto dele. Seria esse um jeito de expulsá-lo de si mesma? Será que odiando a quem se amou tornaria o esquecimento mais fácil? Marcela se afogava nesses pensamentos sem ordem nem nexo. Olhou o relógio; 14h56. Mais uma tarde chegando ao fim e nada mais. Foi ao banheiro, sentou-se no vaso, quando resolveu abrir o armário debaixo da pia. Só abriam para retirar coisas da limpeza. De relance, viu algo inusitado lá dentro. Seria uma calcinha? Puxou e viu que era uma roxa de renda. Por um instante não reconheceu a peça e ficou paralisada. Lucas nunca faria isso. Ou faria? Foi até a cozinha e pegou novamente o maço de cigarros. Fumou um a um. Depois do 5° já não tossia mais. A calcinha estava jogada em cima da mesa da cozinha e ficou olhando com ódio. Conseguia odiar Lucas agora e nem precisou criar um motivo. Era nova, não tinha cheiro de usada. Também não fazia o seu estilo. Ficou maquinando as possibilidades e só conseguia vislumbrar uma: viúva e corna. Sempre a última a saber. Foi até o armário do banheiro e pegou o frasco de ansiolíticos. Tomou todos, foi até a janela do seu apartamento, morava no 7° andar. Sentiu uma forte vertigem e não conseguiu se segurar na grade velha de sua varanda. O corpo de Marcela ficou estendido no chão por quase duas horas até que alguém a achasse. No outro dia, a sua irmã foi recolher as coisas na sua casa e percebeu o armário do banheiro aberto. Olhou um pouco mais na tentativa de achar algo estranho e avistou um pedaço de papel. Era uma carta de Lucas para Marcela. Hilda leu o achado e percebeu que se tratava de um rascunho. Lucas estava tentando escrever algo para o aniversário deles. Pobre Marcela. De tanto tentar enganar-se, foi enganada pelo destino. 

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Solidão Azul


Mais um dia em casa sem nada para fazer. Que maravilha ela pensou ao abrir a cortina do seu quarto. O tempo não era um dos melhores, mas estava melhor do que o de ontem. A vida corria assim sem pressa de passar. E não é que isso era bom? As pessoas andavam com pressa nas ruas, os carros corriam e ninguém percebia o canto dos pássaros, nem o agito dos pombos. É confortante saber que é possível respirar enquanto os outros ofegam com a rotina. É quase um desabafo, uma renovação, uma luz. O café estava pronto e ela se sentou à mesa na varandinha pequena do seu apartamento. A poesia do céu é algo revelador. Quanto tempo gastamos olhando para o chão? De certo, mais tempo do que deveríamos porque, só de olhar para o alto, encontramos paz. As nuvens mudam o tempo todo, as estrelas e os astros somem e se mostram alternadamente, mas todos conseguem achar um lugar no infinito azul do céu. Se é democrático, não sei, mas, no mínimo, pacífico.