Marcela não
aguentava mais se olhar no espelho. As luzes simplesmente não se refletiam
direito. O espelho não projetava o que ela queria ver. Todos os espelhos
estavam cobertos por lençóis. Tirá-los da parede seria mais eficaz, mas, por
algum motivo, isso não cabia no momento. Maquiava-se por instinto. Se
estivéssemos em fevereiro, não seria assim, mas esse maio a fez menos vaidosa.
Saiu de casa sem ao menos abrir um pouco as janelas para o sol entrar. Tinha
que ir ao mercado, não sabia exatamente por que, mas a dispensa estava vazia,
não havia telefones em casa, então, resolveu ir atrás de comida pessoalmente.
Marcela não estava acostumada a ir atrás das coisas que queria, mas há uma
primeira vez para tudo. Mesmo se negligenciando, era ainda de uma beleza daquelas
calmas, que só a juventude pode conceber. De repente, passa alguém com um rosto
familiar. Coração pula. Não é ele, Marcela, diz para si mesma. Não é mais uma
possibilidade, ele morreu. E isso não é uma metáfora. O Lucas se foi e você
está aqui. Alguém esbarrou nela e a fez despertar. As pessoas estão sempre
correndo nessa cidade. Entrou no
mercado, pegou algumas coisas na prateleira de frios, abasteceu o carrinho de
bebidas, achou o lugar dos enlatados e foi para o caixa. Viu os cigarros no
anúncio e pensou, por que não? Foi para a casa e abriu um pouco a janela da
cozinha. Não guardou os alimentos, só pensava no cigarro. Nunca havia fumado,
mas parecia certo nesse momento de dor. Acendeu um e tragou dele. Tossiu até
lacrimejar e apagou o cigarro. Quem sabe outro dia eu tento e foi para a sala.
Ligou a TV, mas só funcionava um canal chato de vendas. Desligou a TV e ficou
desnorteada no sofá. Lembrou-se do seu noivado, das festas, de como eram
felizes. A felicidade parecia real. Era real. Não sentiu quando as lágrimas
tocaram o pescoço. Ainda guardava o pedaço de bolo de casamento no freezer.
Tinham planejado comer a fatia no primeiro aniversário, ao invés disso, estava
ela sem saber o que fazer e com um maço de cigarros à sua espera. Era uma
tentativa desesperada, talvez. Ou talvez não. Lucas odiava que fumassem perto
dele. Seria esse um jeito de expulsá-lo de si mesma? Será que odiando a quem se
amou tornaria o esquecimento mais fácil? Marcela se afogava nesses pensamentos
sem ordem nem nexo. Olhou o relógio; 14h56. Mais uma tarde chegando ao fim e
nada mais. Foi ao banheiro, sentou-se no vaso, quando resolveu abrir o armário
debaixo da pia. Só abriam para retirar coisas da limpeza. De relance, viu algo
inusitado lá dentro. Seria uma calcinha? Puxou e viu que era uma roxa de renda.
Por um instante não reconheceu a peça e ficou paralisada. Lucas nunca faria
isso. Ou faria? Foi até a cozinha e pegou novamente o maço de cigarros. Fumou
um a um. Depois do 5° já não tossia mais. A calcinha estava jogada em cima da
mesa da cozinha e ficou olhando com ódio. Conseguia odiar Lucas agora e nem
precisou criar um motivo. Era nova, não tinha cheiro de usada. Também não fazia
o seu estilo. Ficou maquinando as possibilidades e só conseguia vislumbrar uma:
viúva e corna. Sempre a última a saber. Foi até o armário do banheiro e pegou o
frasco de ansiolíticos. Tomou todos, foi até a janela do seu apartamento,
morava no 7° andar. Sentiu uma forte vertigem e não conseguiu se segurar na
grade velha de sua varanda. O corpo de Marcela ficou estendido no chão por
quase duas horas até que alguém a achasse. No outro dia, a sua irmã foi
recolher as coisas na sua casa e percebeu o armário do banheiro aberto. Olhou
um pouco mais na tentativa de achar algo estranho e avistou um pedaço de papel.
Era uma carta de Lucas para Marcela. Hilda leu o achado e percebeu que se
tratava de um rascunho. Lucas estava tentando escrever algo para o aniversário
deles. Pobre Marcela. De tanto tentar enganar-se, foi enganada pelo destino.
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