Tenso. Intenso. Extenso.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A camisa


Lucas trabalhava que nem um escravo. Todo dia acordava cedo, engolia o café após um banho de 3 minutos e corria para o seu emprego. Chegava à sua mesa 7h em ponto e se via encurralado pela divisória de 1,60 à sua frente. Ia à copa e pegava uma xícara de café, retornava ao seu cubículo e digitava sem parar até terminar boa parte dos relatórios pendentes. A pilha de documentos antigos para serem digitalizados era infindável. Quando ele achava que diminuía, Jéssica repunha a pilha. Lucas não tinha tempo sequer para perceber os olhares de Jéssica ao ir à sua mesa. Desde o primeiro dia, ela se sentia atraída por ele. Começou a se vestir melhor, maquiava-se e até pintou o cabelo e nada dele perceber. Apenas sorrisos cotidianos eram trocados.
Um dia, Lucas chegou ao trabalho e encontrou Jéssica. Cumprimentou-a, mas estava surpreso com a companhia. Os outros funcionários só chegavam perto das 8h. Foi à copa e pegou sua xícara. Enquanto colocava o café, percebeu que ela estava atrás dele. Por um momento, pensou que fosse só imaginação, mas, quando se virou, ela o encurralou com os dois braços. Ele deu um pulo e derrubou café na camisa branca. Ela também pulou para trás e pediu desculpas. A cabeça dele girou um pouco, numa espécie de vertigem e confusão, começou a esboçar uma reação quando ela já estava tentando desabotoar a camisa. Ele a afastou delicadamente, disse que não havia problemas e voltou para a sua mesinha para buscar sua bolsa. Saiu do trabalho e voltou para casa. Logo hoje, no dia da reunião! Ainda bem que é só às 10h. Trocou-se rapidamente e jogou sua camisa manchada numa sacola. Passou numa lavanderia perto de sua casa e foi quando a viu.
Foi cena de filme. Ele pegou a nota fiscal e vislumbrou-a através da vitrine. Ela estava na carrocinha de cachorro quente. Ele chegou perto dela, não soube bem por que, mas precisava fazer isso. Não é muito cedo para um “dogão”? Ela se virou um pouco irritada e respondeu: como é? Pela primeira vez há tempos, Lucas riu de verdade. Marcela ficou sem entender e riu também, um pouco sem graça. Engataram uma conversa constrangida e ele descobriu que ela trabalhava na empresa ao lado da sua. Foram andando juntos. 
Trocaram algumas informações sem muito interesse, mas para quem tem interesse, tudo importa. Marcela era uma dessas mulheres que falam pelos cotovelos. Não de um modo irritante, mas de uma fluidez com as letras que encantou Lucas. Ele resolveu pegar o celular dela para se encontrarem depois. Separaram-se e trocaram sorrisos frouxos.
Lucas chegou à sua mesinha às 9h. Ligou o computador e viu uma mensagem de Jéssica, pedindo desculpas pelo constrangimento. Ele respondeu educadamente, já sem lembrar direito da irritação de outrora. Organizou alguns artigos e foi à reunião. De repente, ao se sentar à mesa da sala maior, avistou a cidade pela janela. Respirou profundo e sentiu-se melhor.

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