Lucas trabalhava que nem um escravo. Todo dia acordava cedo, engolia
o café após um banho de 3 minutos e corria para o seu emprego. Chegava à sua
mesa 7h em ponto e se via encurralado pela divisória de 1,60 à sua frente. Ia à
copa e pegava uma xícara de café, retornava ao seu cubículo e digitava sem
parar até terminar boa parte dos relatórios pendentes. A pilha de documentos
antigos para serem digitalizados era infindável. Quando ele achava que
diminuía, Jéssica repunha a pilha. Lucas não tinha tempo sequer para perceber
os olhares de Jéssica ao ir à sua mesa. Desde o primeiro dia, ela se sentia
atraída por ele. Começou a se vestir melhor, maquiava-se e até pintou o cabelo
e nada dele perceber. Apenas sorrisos cotidianos eram trocados.
Um dia, Lucas chegou ao trabalho e encontrou Jéssica.
Cumprimentou-a, mas estava surpreso com a companhia. Os outros funcionários só
chegavam perto das 8h. Foi à copa e pegou sua xícara. Enquanto colocava o café,
percebeu que ela estava atrás dele. Por um momento, pensou que fosse só
imaginação, mas, quando se virou, ela o encurralou com os dois braços. Ele deu
um pulo e derrubou café na camisa branca. Ela também pulou para trás e pediu
desculpas. A cabeça dele girou um pouco, numa espécie de vertigem e confusão,
começou a esboçar uma reação quando ela já estava tentando desabotoar a camisa.
Ele a afastou delicadamente, disse que não havia problemas e voltou para a sua
mesinha para buscar sua bolsa. Saiu do trabalho e voltou para casa. Logo hoje,
no dia da reunião! Ainda bem que é só às 10h. Trocou-se rapidamente e jogou sua
camisa manchada numa sacola. Passou numa lavanderia perto de sua casa e foi
quando a viu.
Foi cena de filme. Ele pegou a nota fiscal e vislumbrou-a através da
vitrine. Ela estava na carrocinha de cachorro quente. Ele chegou perto dela,
não soube bem por que, mas precisava fazer isso. Não é muito cedo para um
“dogão”? Ela se virou um pouco irritada e respondeu: como é? Pela primeira vez
há tempos, Lucas riu de verdade. Marcela ficou sem entender e riu também, um
pouco sem graça. Engataram uma conversa constrangida e ele descobriu que ela
trabalhava na empresa ao lado da sua. Foram andando juntos.
Trocaram algumas informações sem muito interesse, mas para quem tem
interesse, tudo importa. Marcela era uma dessas mulheres que falam pelos
cotovelos. Não de um modo irritante, mas de uma fluidez com as letras que
encantou Lucas. Ele resolveu pegar o celular dela para se encontrarem depois.
Separaram-se e trocaram sorrisos frouxos.
Lucas chegou à sua mesinha às 9h. Ligou o computador e viu uma
mensagem de Jéssica, pedindo desculpas pelo constrangimento. Ele respondeu
educadamente, já sem lembrar direito da irritação de outrora. Organizou alguns
artigos e foi à reunião. De repente, ao se sentar à mesa da sala maior, avistou
a cidade pela janela. Respirou profundo e sentiu-se melhor.
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