Marcela estava
deitada na rede de sua varanda e se balançando com uma perna, enquanto pensava
no quanto tinha vivido desde que se esbarrou com Lucas numa barraquinha de
cachorro quente. Estavam juntos há um pouco mais de um ano, mas, que importa o
tempo, quando se acha com quem dividi-lo? Nunca achou que fosse conseguir se
apaixonar assim. Sempre quis, é bem verdade, mas sua vida amorosa sempre foi um
desastre atrás do outro. Alguns frios na barriga antes da festinha do colégio,
uns olhares mais fortes trocados, o suor frio pelo corpo e pelas mãos, o
coração pulando, já havia sentido tudo isso. Mas, quando viu Lucas, não
percebeu nenhum desses sinais em si. Ficou na expectativa depois dos primeiros
encontros, porém, foi tudo muito natural. Ela não precisava planejar cada parte
do encontro, as coisas rolavam, que nem esse balançar da rede... Olhou para o
céu e se sentiu grata. Se houver alguém ai, obrigada pelo presente, pensou para
si mesma. Lucas irradiava paz em sua vida, um verdadeiro divisor de águas.
Quando se está apaixonado, é normal colocar o outro no pedestal, mas não é
isso. Ele realmente é uma pessoa maravilhosa, pensou, e quando ele me abraça o
mundo não existe. Esse é o clichê mais verdadeiro que há. Continuou se
balançando e se refrescando com a brisa. Caiu no sono e pode dormir tranquila
por uns minutos. Era como se uma parte dele estivesse ali, balançando a rede
para ela. Chegou a sonhar com algo alegre que não soube explicar, mas sonhou.
Abriu os olhos e encarou novamente o céu mais escuro, agora. Continuou deitada e se esquentando com os
pensamentos de antes.
Tenso. Intenso. Extenso.
domingo, 9 de setembro de 2012
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
A camisa
Lucas trabalhava que nem um escravo. Todo dia acordava cedo, engolia
o café após um banho de 3 minutos e corria para o seu emprego. Chegava à sua
mesa 7h em ponto e se via encurralado pela divisória de 1,60 à sua frente. Ia à
copa e pegava uma xícara de café, retornava ao seu cubículo e digitava sem
parar até terminar boa parte dos relatórios pendentes. A pilha de documentos
antigos para serem digitalizados era infindável. Quando ele achava que
diminuía, Jéssica repunha a pilha. Lucas não tinha tempo sequer para perceber
os olhares de Jéssica ao ir à sua mesa. Desde o primeiro dia, ela se sentia
atraída por ele. Começou a se vestir melhor, maquiava-se e até pintou o cabelo
e nada dele perceber. Apenas sorrisos cotidianos eram trocados.
Um dia, Lucas chegou ao trabalho e encontrou Jéssica.
Cumprimentou-a, mas estava surpreso com a companhia. Os outros funcionários só
chegavam perto das 8h. Foi à copa e pegou sua xícara. Enquanto colocava o café,
percebeu que ela estava atrás dele. Por um momento, pensou que fosse só
imaginação, mas, quando se virou, ela o encurralou com os dois braços. Ele deu
um pulo e derrubou café na camisa branca. Ela também pulou para trás e pediu
desculpas. A cabeça dele girou um pouco, numa espécie de vertigem e confusão,
começou a esboçar uma reação quando ela já estava tentando desabotoar a camisa.
Ele a afastou delicadamente, disse que não havia problemas e voltou para a sua
mesinha para buscar sua bolsa. Saiu do trabalho e voltou para casa. Logo hoje,
no dia da reunião! Ainda bem que é só às 10h. Trocou-se rapidamente e jogou sua
camisa manchada numa sacola. Passou numa lavanderia perto de sua casa e foi
quando a viu.
Foi cena de filme. Ele pegou a nota fiscal e vislumbrou-a através da
vitrine. Ela estava na carrocinha de cachorro quente. Ele chegou perto dela,
não soube bem por que, mas precisava fazer isso. Não é muito cedo para um
“dogão”? Ela se virou um pouco irritada e respondeu: como é? Pela primeira vez
há tempos, Lucas riu de verdade. Marcela ficou sem entender e riu também, um
pouco sem graça. Engataram uma conversa constrangida e ele descobriu que ela
trabalhava na empresa ao lado da sua. Foram andando juntos.
Trocaram algumas informações sem muito interesse, mas para quem tem
interesse, tudo importa. Marcela era uma dessas mulheres que falam pelos
cotovelos. Não de um modo irritante, mas de uma fluidez com as letras que
encantou Lucas. Ele resolveu pegar o celular dela para se encontrarem depois.
Separaram-se e trocaram sorrisos frouxos.
Lucas chegou à sua mesinha às 9h. Ligou o computador e viu uma
mensagem de Jéssica, pedindo desculpas pelo constrangimento. Ele respondeu
educadamente, já sem lembrar direito da irritação de outrora. Organizou alguns
artigos e foi à reunião. De repente, ao se sentar à mesa da sala maior, avistou
a cidade pela janela. Respirou profundo e sentiu-se melhor.
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